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sexta-feira, 6 de abril de 2012

Estudo da polêmica no julgado do STJ no caso de estupro de vulneráveis



Nos últimos dias na sala de aula,  fizemos um pequeno debate sobre o ocorrido e criei este artigo para melhor expor entendimento sobre a recente decisão  da 3 ª turma  do STJ, que demonstra  ser relativa a presunção de vulnerabilidade  para os menores de 14 anos nos crimes de estupro.
A terceira turma decidiu pela relatividade no caso de atos sexuais cometidos por adulto com três vítimas de doze anos, uma vez que as vitimas já se prostituíam bem antes da ocorrência dos atos sexuais com o réu e era de conhecimento público e as mesmas confessaram atender vários “clientes” semanalmente, Importa assinalar que a notícia, como fica claro, refere-se ao tipo penal do artigo 224, antes da alteração promovida pela Lei n. 12.015/2009.

Segundo o STJ, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já havia inocentado o homem argumentando que “a mãe de uma das crianças afirmou que a filha enforcava aulas e ficava na praça com as demais para fazer programas com homens em troca de dinheiro”.
“Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado”, disse o acórdão do TJ.
Depois da decisão do TJ, a Quinta Turma do STJ reverteu a decisão, decidindo pelo “caráter absoluto da presunção de violência” no caso de estupro praticado contra menor de 14 anos.
A defesa, então, recorreu da decisão. O caso foi analisado pela Terceira Seção, que entendeu pela presunção relativa de violência, considerando que cada caso deve ser analisado individualmente.:

A antiga redação do artigo 224 estabelecia que, nos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor, a violência era presumida se a vítima fosse menor de 14 anos ou alienada ou débil mental. Diante dessa pretérita redação, em que o legislador falava em presunção de violência, parcela da doutrina e jurisprudência consideravam que essa presunção poderia ser relativizada, caso a vítima fosse menor de 14 anos e maior de 12 anos. Isto porque, tendo em vista os atuais contornos da sociedade, muitas meninas de 13 anos já iniciam, com consciência e vontade, seus atos sexuais com respectivos namorados, muitas vezes com o conhecimento da própria família. Nesses casos, seria absurdo presumir, absolutamente, a vulnerabilidade do acusado que praticasse, consensualmente, qualquer ato libidinoso.

Com a alteração de 2009, o estupro de vulneráveis passou a ser tipificado da seguinte maneira: “Ter conjunção carnal ou praticar qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos”. Reparem que o legislador não mais se referiu à presunção: tipificou a conduta de ter relações sexuais ou qualquer ato libidinoso com as vítimas menores de 14 anos. Assim sendo, a Jurisprudência majoritária estende desta feita, que esta tipificação não mais permite a relativização para vítimas menores de 14 anos e maiores de 12, como anteriormente.
Mas observe a minúcia da questão, o caso referia-se a um crime praticado antes da reforma, e, portanto, sob a vigência da antiga lei menos gravosa. Nesses casos, havia uma divergência entre a quinta turma e a sexta turma do STJ sobre o entendimento a ser aplicado; para a quinta turma, a presunção deveria ser absoluta, ao passo que, para a sexta, a presunção era relativa. Presente a divergência, o processo foi encaminhado para a terceira seção do Tribunal da Cidadania, para decidir qual entendimento a ser aplicado antes da vigência da lei nova.


Importa lembrar aos senhores com a devida vênia, que esta decisão pertence somente aos fato que se e somente se ocorreram antes da reforma. Lembramos que trata-se de ultra-atividade da lei e da interpretação mais benéfica ao acusado, que cometeu os fatos sob a vigência da lei antiga. Para a lei nova, a jurisprudência não aceita a relativização da idade, mantendo o crime quando o ato sexual ou libidinoso for cometido com vítimas menores de 14 anos, porque, nesse caso, não se trata de presunção, mas de elementar do tipo.
Neste entendimento, por maioria, vencidos os ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior, a Seção entendeu por fixar a relatividade da presunção de violência prevista na redação anterior do CP.

O ACNUDH (Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) deplorou a decisão do STJ,  que no entendimento contradiz vários tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, incluindo a CDC (Convenção sobre os Direitos da Criança), o PIDCP (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos) e a CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher). Ele enfatizou que “todos os tribunais têm a obrigação jurídica de interpretar e aplicar esses tratados de direitos humanos.


O caminho interpretativo foi correto, deve-se se fazer valer sempre do principio da ultratividade, que guarda relação estreita com os princípios constitucionais da reserva legal e da anterioridade da lei penal, deve-se observar qual o a amplitude do animus do agente no momento do ação. Entendo também que uma adolescente de 12 anos não teria a capacidade de exercer sua liberdade sexual e que o estado deve se corresponsabilizar com o fato ocorrido, em relação ao agente que praticou esse reprovável ato deve ser punido sim, mas obedecendo devido processo legal e ampla defesa, esquecemos muitas vezes que o direito penal deve ser a ultima ratio,  ou seja, como última opção de controle, tendo em vista o fracasso dos outros meios formais de controle social em relação à proteção dos bens da vida relevantes. Todos os mecanismos de defesa do agente devem ser esgotados, entendo também que a punição deve ser aplicada de maneira coercitiva para que essas crianças tenham a justa reparação desse mal social, na esfera civil de natureza indenizatória.